Por que Deus não permitiu preparar um cabrito no leite de sua mãe?

Existem alguns acontecimentos na bíblia que muitas vezes não entendemos e que de fato são de difícil compreensão. Essa proibição em específico nos faz refletir uma vez que existem três ocorrências nas escrituras:

Escrituras

As primícias dos primeiros frutos da tua terra trarás à casa do Senhor teu Deus; não cozerás o cabrito no leite de sua mãe. – Êxodo 23:19

As primícias dos primeiros frutos da tua terra trarás à casa do Senhor teu Deus; não cozerás o cabrito no leite de sua mãe. – Êxodo 34:26

Não comam nada que encontrarem morto. Vocês poderão dá-lo a um estrangeiro residente de qualquer cidade de vocês, e ele poderá comê-lo, ou vocês poderão vendê-lo a outros estrangeiros. Mas vocês são povo consagrado ao Senhor, o seu Deus. Não cozinhem o cabrito no leite da própria mãe. – Deuteronômio 14:21

Alguns Significados

Jacob Milgrom, considerado um dos maiores especialistas de Levítico do mundo, considera quatro teorias sobre como o comando surgiu.

1 – Maimonides sugeriu que era uma reação a uma prática cananéia específica, baseada em tábuas encontradas com um texto ugarítico.

Milgrom contesta pelo fato de que não há nenhuma evidência real para uma prática existente em Canaã de ferver uma criança no leite de cabra da mãe. Ele argumenta que o texto ugarítico que foi usado para apoiar essa teoria foi mal interpretado.

2 – Philo sugeriu que a prática era desumana pelo mesmo motivo: matar um animal jovem e sua mãe no mesmo dia ou matar um animal antes de ser desmamado.

Essa teoria humanitária fracassa porque ela (e as outras leis associadas à teoria) proíbe a matança de forma simultânea, mas não sequencial.

Além disso, nem todos os animais recebem o mesmo tipo de proteção. Crueldade contra animais pode ter sido condenada, mas não por essas leis.

3 – Começando com o trabalho de Émile Durkheim, sugeriu-se que a prática simbolizava o incesto.

Milgrom relata que “Essa teoria é fascinante, mas é minada por uma falha gritante: a palavra, “criança”, é assexual. De fato, no hebraico bíblico, os nomes de animais que são masculinos em forma e não têm contrapartida feminina denotam ambos os sexos.

4 – Othmar Keel propôs um significado simbólico ainda mais básico: o leite é um símbolo da vida.

Milgrom finalmente nota que Keel está no caminho certo, já que a mãe que amamenta (animal ou humana) está associada à criação de vida em todo o Oriente Médio Antigo (e provavelmente em qualquer outro lugar).

Vida e Morte

A mistura de vida e morte era um sacrilégio na Bíblia hebraica.

Por exemplo, os animais que são catadores (lagosta, camarão, suínos, cães, abutres, leões e tigres, etc.) tem por hábito se alimentar em detritos (lixo, restos, criaturas mortas e deterioradas) e assim eles são impuros.

Esses animais não podem ser usados ​​para consumo humano ou sacrifício. Somente aquelas criaturas que tinham por hábito se alimentar de substâncias exclusivamente vivas estavam limpas para consumo humano ou certos sacrifícios (galinha, vaca, cabra, peixes com escamas, etc.).

Tocar uma pessoa morta ou um animal morto (fora dos mandamentos sacrificiais para o pecado e a reconciliação) tornava-a cerimonialmente impura, porque a mistura de vida e morte era um sacrilégio.

Quando animais limpos eram sacrificados, eles cobriam o pecado e restabeleciam o relacionamento com o Senhor.

Tais animais sacrificiais eram sagrados, porque a morte deles levava ao Deus Vivo (através da cobertura do pecado).

O leite é a imagem da vida, pois o leite é a fonte da vida do recém-nascido para os mamíferos. Cozinhar um animal no leite provavelmente era um ato comum nos tempos antigos, mas foi considerado um sacrilégio, porque neste caso a vida e a morte eram misturadas.

Conclusão

Philo adiciona em sua teoria que “É extremamente impróprio que a substância que alimentou o animal vivo seja usada para temperar o mesmo após sua morte”

Essa citação é usada também por CM Carmichael para propor que a base racional por trás da proibição está em se opor à mistura de vida e morte.

Uma substância que sustente a vida de uma criatura (leite) não deve ser fundida ou confundida com um processo associado à sua morte (cozinhar).

Este seria apenas outro exemplo da oposição característica do ritual e da prática bíblica: separar a vida da morte, santa do profano, puro do impuro, Israel das Nações.

Fonte:
http://maxwellinstitute.byu.edu/publications/books/?bookid=108&chapid=1234