Ele, porém, respondendo, disse: Não é bom pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
27 E ela disse: Sim, Senhor, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus senhores.
A Acusação dos Críticos: Um Jesus Preconceituoso?
Alguns intérpretes modernos argumentam que Jesus, ao comparar a mulher cananeia a um “cachorrinho” (Mateus 15:26), agiu de forma cruel e etnocêntrica, reforçando hierarquias religiosas opressoras. Para esses críticos, o diálogo parece ecoar a discriminação judaica contra gentios, e a suposta humilhação da mulher seria incompatível com um Messias compassivo. Mas será que essa leitura captura a essência do texto?
Contexto Cultural: A Provocação como Ferramenta Pedagógica
A metáfora usada por Jesus não era gratuita. Na Palestina do século I, os gentios eram frequentemente desprezados pelos judeus, e cães (especialmente os vadios) simbolizavam impureza e marginalização. No entanto, Jesus utiliza a palavra grega “kynaria” (cachorrinhos de estimação), não “kuon” (cães selvagens), sugerindo uma relação de proximidade, ainda que subordinada. A mulher, longe de se sentir humilhada, entende o jogo retórico: Jesus está expondo a mentalidade exclusivista de Seus discípulos (que pedem que Ele a dispense – Mateus 15:23) e a hipocrisia religiosa da época.
A Resposta da Mulher: Uma Sabedoria que Desarma
A cananeia não se rebela nem se ofende. Pelo contrário, ela aceita a metáfora e a transforma em um argumento ainda mais contundente: “Sim, Senhor, mas até os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos” (Mateus 15:27). Sua réplica revela:
- Consciência de sua posição social (ela não nega a prioridade dos judeus na aliança);
- Confiança na abundância da graça divina (as “migalhas” de Jesus são suficientes para operar milagres).
A Humilhação que Nunca Aconteceu: A Ironia Divina
A crítica moderna projeta sensibilidades contemporâneas sobre um texto antigo, ignorando três pontos-chave:
- Jesus estava em território gentio (Tiro e Sidom), buscando justamente interagir com os marginalizados;
- Seu silêncio inicial e a metáfora foram um teste de fé, não uma rejeição (similar à abordagem com a samaritana em João 4);
- O elogio público de Jesus (“Mulher, grande é a tua fé!” – Mateus 15:28) anula qualquer interpretação de desprezo.
Por Que a Dureza Aparente? Uma Questão de Missão
Jesus, em Sua humanidade, operava dentro de um contexto cultural específico. Sua aparente frieza cumpria um propósito duplo:
- Desafiar a mulher a demonstrar uma fé autêntica, além de clichês religiosos;
- Ensinar aos discípulos que a graça não se limita a Israel, mas se estende a quem crê, mesmo que fora das estruturas tradicionais.
Conclusão da Seção: A Humildade que Vence a Humilhação
A mulher cananeia não foi vítima de Jesus, mas heroína de uma fé que transcendeu o constrangimento social. O que parece humilhação era, na verdade, um convite para revelar uma verdade revolucionária: a graça de Deus não se envergonha dos que se humilham. Os críticos falham ao não perceber que, na economia divina, a aparente fraqueza é o caminho para a vitória (2 Coríntios 12:9).